A busca do Jesus de carne e osso.

ZERO HORA 24 de abril de 2011 | N° 16680

ALÉM DA MENSAGEM

A busca do Jesus de carne e osso

O filósofo paranaense Mario Sergio Cortella explica como as descobertas de arqueólogos, historiadores e teólogos ajudam a dar contornos mais próximos da realidade vivida há mais de 2 mil anos pelo personagem que pode ser considerado o mais influente de toda a história da humanidade


Como um homem humilde que viveu há 2 mil anos em uma aldeia perdida na Palestina de apenas 300 habitantes, na maioria analfabetos e onde todos se conheciam, virou a personalidade mais influente de todos os tempos e foi responsável pela maior revolução da humanidade? Apesar de seguido por nada menos do que um terço da população mundial, essa viagem no tempo ainda pouco revela sobre quem foi mesmo Jesus, em hebraico Joshua, do ponto de vista histórico.

De fé, a civilização está cheia de exemplos. Mas será que um dia, com os enormes avanços da arqueologia, teremos sinais contundentes da presença dele e conhecimento de como foi sua vida, do homem que chegou a dividir o calendário em dois, antes e depois de seu nascimento?

Difícil dizer, provavelmente sim. A ciência tem ampliado suas descobertas e um indício aqui e outro mais adiante trazem pequenos contornos de como vivia o homem que, neste Domingo de Páscoa, é saudado como o Salvador. Vestígios contemporâneos daquela época vêm sendo encontrados por arqueólogos e historiadores. Estudos que também têm o outro lado: cada vez que uma inscrição, um papel, um fragmento são achados, a vida de Jesus ganha um novo desenho.

Ex-monge na juventude, quando passou três anos em um convento da Ordem Carmelita Descalça, onde aprendeu o poder da vida em silêncio e em comunidade, experiência que foi a base de sua formação intelectual, o filósofo paranaense e “católico por simpatia” Mario Sergio Cortella, 57 anos, é um apaixonado pelo tema. Embora tenha abandonado a vida religiosa, não a espiritualidade, como se vê na sua obra de 13 livros, o mestre em Educação pela PUC paulista, onde também é professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da pós-graduação em Educação, acredita que um dia teremos novas descobertas, talvez até mais contundentes. É o que o intelectual, que nesta semana estará em Santa Maria e Uruguaiana, contou em longa entrevista concedida a ZH no meio da semana passada.

Cortella, considerado um dos mais respeitados intelectuais brasileiros, acredita que um dia a ciência apresentará provas claras da existência do filho do carpinteiro. Mas a respeito do homem de carne e osso, cujo primeiro registro histórico surgiu com o historiador judeu Flávio Josefo, no primeiro século. Foi apenas uma menção a um homem sábio que viveu no tempo de Pilatos, além de referências de outros intelectuais, como Plínio, o Jovem, e Tácito.

A vida na região da Galileia

Com o avanço das descobertas, especialmente nos últimos 200 anos, alguns mistérios começam a ser desvendados. Vestígios encontrados na Galileia a partir de escavações da Terra Santa mostram um pouco de como as pessoas viviam naquela época. Um barco descoberto na Palestina foi considerado muito parecido com o de Pedro e pode ter sido usado pelo próprio Jesus.

De outro lado, foram achados vestígios de casas da época que não usavam telhas. Isso pode explicar, por exemplo, uma passagem do Evangelho que fala de um paralítico que passou pelo telhado, ou seja, “era palha e, assim, seria facilmente retirada”.

Do ponto de vista histórico, não são mais de três ou quatro registros confirmados, alguns ligados ao governo de Pilatos, referências a Herodes. Nem por isso menos relevantes nessa busca pela figura histórica de Jesus sem as limitações da teologia ou da fé.

Os pensadores contra a religião

Há evidências concretas da vida de Jesus? Hoje, reconhece Cortella, poucos afirmam que ele não existiu, embora haja controvérsias em relação a modo, lugar e tempo. A discussão é outra: Jesus Cristo, o componente místico.

A procura histórica por essa notícia começou com força no século 19, quando também, contraditoriamente, ele é colocado em xeque. Quando se eleva o cientificismo, diz o filósofo, vem à tona uma dúvida: será que existiu o homem ou era só uma invenção mítica? Karl Marx e Nietzsche que, na sequência do século 20 se completam com Freud, colocam a religião como fraqueza. O trio de pensadores europeus defende a necessidade de o homem se reinventar sem uma divindade. É hora da suspeita real sobre Jesus de Nazaré, a referência histórica, não sobre Jesus Cristo.

Embora a ciência tenha avançado imensamente e se tenha tentado, no século 20, o exílio do sagrado, essa possibilidade vai se mostrando muito distante. Com o avanço da exploração arqueológica na região, é concreta a hipótese de futuros achados mais fortes. Cortella considera provável que tenhamos, em breve, por sistema de holografia a possibilidade de “ressuscitar” a imagem de Jesus, tal como se fez agora no Brasil quando foi recriado o rosto de um dos inconfidentes.

E a geologia da região também contribui. Embora muito do que possa ser descoberto se encontre embaixo da terra, como não há enchentes na área, cresce a chance de se topar com mais material em estado de conservação passível de estudo.

bela.hammes@zerohora.com.br

MARIA ISABEL HAMMES

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